domingo, 22 de agosto de 2010

Debate sobre Direito Autoral Musical.

RONALDO BASTOS enviou este texto muito esclarecedor e objetivo sobre o atual debate sobre o Direito Autoral:

Ao contrário do que alega o MinC, a lei de 1998 é fruto de muitos anos de discussão e luta em prol de melhorias na legislação, visando maior proteção ao autor. Define o termo Direitos Autorais como os direitos de autor e os que lhes são conexos, estabelecendo o escopo de proteção da lei, equiparando as duas categorias de direitos e fornecendo o fundamento para a sua gestão em conjunto.

Define autor como a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica e estende a proteção às pessoas jurídicas que contratam com autores criadores, ou quando reúnem qualidades ou se encontram em situações previstas na própria lei.

Determina que pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais da obra que criou, aplicando, dessa forma, o princípio da proteção automática da convenção de Berna. Assim, o autor tem direitos a partir e em razão da criação da obra sem que seja necessário o registro ou o cumprimento de qualquer formalidade,isto é, se baseia no raciocínio de que o autor tem um direito natural sobre sua criação e a lei visa apenas regular o exercício desse direito que existe em razão da própria relação personalíssima entre autor e obra.

Garante ao criador o direito exclusivo de usar, fruir e dispor de sua obra, sem qualquer interferência de terceiros. Estabelece um raciocínio e a compreensão dos direitos autorais de forma diversa aos direitos da propriedade industrial, outra espécie do gênero propriedade intelectual no qual o direito é atribuído pelo Estado, mediante comprovação da presença de requisitos legais nas criações e inovações utilitárias, de aplicação industrial e comercial, tornando o registro, a contrário dos Direitos Autorais, constitutivo do direito de propriedade, entendido também, no caso da Propriedade Industrial, como um direito de impedir.

No que diz respeito aos direitos conexos, equipara o intérprete ao autor, pessoa física, que tem direitos morais e patrimoniais sobre suas criações. Determina que a proteção de que trata lei, especificamente noque diz respeito aos direitos conexos, se estende ao produtores fonográficos sobre os fonogramas produzidos e empresas de radiodifusão sobre o sinal difundido.

Ao determinar que todos os direitos pertencem ao autor, a partir e em razão da criação da obra, deixa osdireitos do autor intactos, ainda que a obra seja criada por encomenda. Nesse caso, mesmo havendo pagamento para a encomenda é necessário um contrato entre as partes regulando a titularidade dos direitos da obra criada por encomenda.

Possui definições de modalidades de utilização das obras artísticas atualizadas em relação à tecnologiadigital e todas as novas formas de difusão de obras por transmissão pela Internet ou rede de telefonia móvel, acrescentando à idéia de reprodução o conceito de armazenamento permanente ou temporário em bases de dados, com as mais diversas finalidades, inclusive a de comunicar ao público por todas as formas tradicionais de transmissão, bem como as novas vias digitais.

Não se propõe a limitar a definição da obra artística, baseando a proteção na originalidade das criações doespírito de cada indivíduo, deixando claro, portanto, que não é a finalidade da criação que garante o direito, ao contrário, se baseia na idéia de que a obra artística não tem finalidade ou utilidade.

Tem como objeto de proteção o autor e o laço de personalidade existente entre ele e sua obra. Apresenta uma lista exemplificativa de criações intelectuais protegidas pela lei, mas não trata o assunto de forma exaustiva e nem pretende usar a lei para criar o direito ou definir as condições para que a proteção se aplique.

No capítulo que prevê a possibilidade de transferência de titularidade dos direitos patrimoniais de autor estabelece uma série de elementos essenciais à validade do ato. Se não adotada a forma escrita e não observados os elementos essenciais, a cessão é inexistente ou limitada. Possui um capítulo sobre a edição que contém todos os detalhes de um contrato, ou um negócio de edição, permitindo que os autores recobrem o direito de reproduzir e publicar por si mesmo na hipótese do editor deixar de fazê-lo no prazo legal, ou no prazo contratual.

Prevê um prazo de proteção pela vida do autor e mais 70 anos após sua morte, em harmonia com a legislação da maioria dos países. Prevê remédios e sanções que atendem às exigências dos acordos internacionais dos quais o Brasil fazparte, notadamente os TRIPs da OMC.

Respeita o princípio da livre associação, comandando a manutenção de um escritório central de arrecadação de direitos de execução pública de obras musicais e fonogramas, inclusive aqueles executados nas exibições de obras audiovisuais, promovendo, dessa forma, a criação e manutenção de um sistema de gestão coletiva de direitos de autor e conexos eficiente e que serve de exemplo no mundo inteiro.

Estabelece o princípio da interpretação restritiva para os negócios dos direitos autorais, decidindo-se em caso de dúvida ou de lacuna, sempre em favor do autor. Propõe mudanças de princípios que interferem, negativamente no entendimento e na aplicação do direito colocando em risco a proteção ao autor.

Adota um viés utilitário e, assim, transforma obra artística em produto cultural, o autor em fornecedor e o público em consumidor de produto cultural. Aumenta excessivamente a possibilidade de uso de obras sem prévia autorização de seus criadores e sem remuneração, limitando significativamente o direito exclusivo do autor sobre sua obra.

Coloca a resolução de conflitos que tenham como objeto obras protegidas por direitos autorais sob responsabilidade administrativa do Ministério da Cultura, para que este atue como árbitro ou mediador.

Coloca o direito de autor sob a ótica do direito do consumidor e da livre concorrência e por isso, prevê penalidades para os autores ou mandatários caso exerçam seus direitos de forma considerada abusiva pelos usuários ou consumidores.

Determina que as empresas usuárias de obras protegidas por direitos autorais devem enviar denúncias emcasos de abusos nos critérios de cobrança ao Sistema Brasileiro de Defesa do Consumidor e Defesa da Concorrência, sendo que não existe qualquer relação de consumo entre o criador e o público ou usuário de obras artísticas.

Autores perdem o direito de autorizar ou proibir modificações por terceiros em suas obras, que poderão fazê-lo para fins educacionais e outras diversas situações, inclusive o "uso como recurso criativo",expressão que não deixa claro seu significado e nem a extensão da permissão.

Cria a licença não voluntária a ser concedida pelo Presidente da República a pedido da parte interessada em utilizar a obra, porém não quer se conformar às condições estabelecidas pelo seu titular para permitir a utilização.

Apesar de prever a participação do Ministério da Cultura opinando sobre a renovação da concessão pública de empresas de radiodifusão, ao final não impede a renovação ainda que as empresas em questão violem direitos autorais.

Propõe fiscalização com poderes de intervenção do Ministério da Cultura no sistema de gestão coletiva, violando o princípio da livre associação consolidado em nossa Constituição.

Cria a figura da obra de encomenda cujos direitos são do encomendante, ou do empregador, de forma contrária à lógica da Lei 9610, à moda do sistema norte-americano que entende o direito de autor como um privilégio estatutário e não um direito do criador sobre sua obra. Dessa forma, privilegia o comércio gerado pela obra e justifica a importância da livre concorrência por sobre a relação personalíssima entre autor e sua obra. Vale dizer que o dispositivo inserido sobre a obra de encomenda reproduz o texto da lei da Propriedade Industrial quando trata das criações da industria resultantes de cumprimento de dever funcional ou obrigação contratual.

Adota uma retórica em prol do acesso à cultura em detrimento do direito do autor, eximindo o Estado de sua função de prover educação e cultura e transferindo tal obrigação para o autor através da limitação do exercício dos direitos conforme garantidos na lei vigente.

Coloca sob suspeição a atuação de entidades de gestão coletiva como a UBC. Vale esclarecer que a União Brasileira de Compositores é uma associação sem fins lucrativos, auditada anualmente, recentemente eleita para fazer parte da Diretoria da CISAC – Confederação Internacional de Sociedades de Autores e Compositores – Organização não governamental formada por 225 sociedades de autores do mundo inteiro para a gestão dos vários tipos de repertório. Este fato sinaliza que trabalhamos dentro dos padrões e formatos aprovados e adotados no mundo, respeitamos e aplicamos por completo as regras profissionais consensualmente aprovadas pela Assembléia Geral da CISAC, portanto, legítimas e passíveis de cobrança e auditoria, conforme normas, regras e costumes em torno dos quais os interesses da comunidade global da gestão coletiva de direitos autorais convergem.

No entanto, fomos colocados sob suspeita pelo MinC que alega que a legislação atual não proporciona segurança jurídica às relações, o que levaria a um número grande de reclamações judiciais. No entanto, esquece o MinC que, em primeiro, o acesso à justiça é livre e o litígio discutido judicialmente não pode ser entendido como conseqüência da lei, ao contrário, faz parte do sistema democrático. Cabe ao judiciário se modernizar e se tornar um órgão cada vez mais competente e eficiente porque conflitos de relações privadas existirão sempre. Esquece o MinC que o Código Civil escrito em 1916 se manteve vigente até 2003 e nem por isso sua compreensão, interpretação e aplicação se manteve parada no tempo. A proposta do MinC não oferece maior segurança jurídica uma vez que comete um erro essencial ao mudar o princípio que fundamenta a proteção, mudar o foco e a inteligência da lei passando a olhar para a obra como produto e buscando privilegiar o comércio e o aspecto econômico da obra no lugar do autor, origem de tudo. Apesar de repetidas alegações de anacronismo em relação ao texto vigente, a proposta do MinC em nada o supera em termos de olhar para o futuro e para as novas tecnologias, ao contrário, não trata do assunto, não cria novidades nesse campo ainda que venha divulgando ser um projeto moderno e em sintonia com a realidade virtual, ou a sociedade do conhecimento, ou a sociedade da informação, ou todos os nomes e rótulos vazios que vem sendo utilizados.

A UBC vem participando do processo de consulta pública e postando suas críticas. Não criticamos o processo de consulta, apenas esclarecemos que não pedimos mudanças na lei, e a justificativa para a iniciativa do Ministério não se cumpre no texto do anteprojeto. Por outro lado, a consulta pública não obrigatoriamente resultará em melhoria, ou comentários que possam ser integrados. Também não acreditamos que os comentários contrários ao texto do anteprojeto sejam absorvidos ou qualquer mudança estrutural na proposta.

Não podemos esquecer que muitas das pessoas que participam não têm o preparo jurídico, ou o conhecimento político e filosófico que está por trás do anteprojeto. Por isso, se deixam levar por interesses pessoais, acreditam no discurso muito pouco preciso que vem sendo utilizado na imprensa a respeito de todo esse alvoroço que tomou conta de nossas vidas, deixando a nós todos em estado de mobilização e sem condição de cuidar do nosso trabalho e cumprir a nossa obrigação de dar ao autor o que é do autor, sempre o melhor. Junte-se a nós, venha para a UBC e acredite na nossa luta em defesa dos interesses dos autores.

Ao fim da consulta pública voltaremos a informar a todos, tão logo o MinC publique os resultados. Se antes disso houver alguma novidade relevante, não deixaremos de avisar a todos os nossos associados.

PUBLICADO NO BOLETIM DA UBC.

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